SP: metodistas salvam almas nos subterrâneos
No bairro da Liberdade, uma porta aberta para dentro de um viaduto se transformou numa saída, numa chance para quem não tem mais nada.
O Jornal Nacional está apresentando, nesta semana, uma série de reportagens sobre o trabalho social de igrejas evangélicas que atuam no Brasil. Nesta quarta, você vai conhecer o trabalho dos metodistas nos subterrâneos da nossa maior cidade.
Eles estão lá, mas pouca gente vê ou quer ver. Vidas estacionadas nas calçadas, presas no beco escuro da indiferença.
“A cidade trata como quem não tem mais chance. Eles olham e falam: ‘Aquele não tem mais jeito’”.
É um caminho que parece não ter volta. Viver na rua transforma a vida das pessoas por fora e também por dentro.
Sensações de raiva, angustia, fome, medo vão se multiplicando. A prefeitura de São Paulo estima que 12 mil pessoas vivam dessa forma, numa espécie de prisão a céu aberto, nas ruas da cidade.
Pois quis a ironia que justamente no bairro da Liberdade, uma porta aberta para dentro de um viaduto se transformasse numa saída, numa chance para quem não tem mais nada.
A escada leva para uma espécie de oásis urbano, repleto de desencontros. “Meu nome é Edileusa Maria de Lima”. “Sou aqui de São Paulo e quero que minha família venha me procurar”. “Estou procurando um primo meu de Minas Gerais”.
Uma chuveirada que revigora. Um tanque para lavar as roupas. Um ferro para passar. Um lugar para trocar a dureza do cimento pelo conforto de um travesseiro.
“Por enquanto, o meu endereço é o armário 59 e daqui a pouco pode ser uma outra coisa melhor. Esse barulho da rua é um terror”, disse o auxiliar de serviços gerais Paulo César Oliveira.
“Quando a pessoa está perdida, ela precisa de um gesto, de alguém que estenda a mão, que demonstre o amor de Cristo de forma prática. É essa fé que nos faz olhar para essa pessoa e entender que ele foi criado a imagem e semelhança de Deus. Se não fosse a fé, não estaríamos aqui”, declarou Marcos Antonio Garcia, pastor da Igreja Metodista.
Esta é fé dos evangélicos da Igreja Metodista, fundada em Londres, no século XVIII. Ela chegou ao Brasil em 1835 e hoje tem 341 mil fiéis. Os Metodistas são conhecidos por serem missionários, por considerarem que o mundo é a sua paróquia e por não perderem a esperança nas pessoas.
“A fé em ação transforma muita coisa, essa é uma crença de quem está nesses trabalhos e essa é uma crença importante porque acaba tendo uma interferência na vida dos indivíduos”, explicou a antropóloga Christina Vital da Cunha, do Instituto de Estudos da Religião.
Quem acreditaria no vigia Antônio José de Souza, afundado nas drogas, alcoólatra, abandonado pela família, mendigando nas ruas uma chance de sobreviver?
“Eu falei assim: ‘Eu posso entrar para tomar um copo de água?’. E ele carinhosamente abriu a porta. Nessa hora, o chão parece que se abre. Essa porta aqui foi o começo de uma vida”.
Antônio foi recebido no abrigo pelo ex-capitão Luiz Pereira de Souza. Condenado a 43 anos de cadeia por assassinato. Diz que conheceu a fé na prisão.
“Dia 15 de dezembro de 95 entrei em pânico e disse que não ficaria mais um dia. Eu lembro da data, porque nesse dia eu tive uma experiência com Deus, em que eu vi Jesus me abraçando e ali pude mudar a minha vida”.
Sem esperar, ganhou um indulto depois de cumprir 14 anos de pena.
“Quando eu vi o documento, estava lá: ex-sentenciado Luis Wilson Pereira de Souza está perdoado de todo o restante da sua pena, pode ir para casa. Nessa hora, desabei, comecei a chorar, e só falava uma coisa: ‘Deus é fiel, Deus é fiel, Deus é fiel’”.
De ex-detento, o antigo capitão passou a ser salvador de almas. Luis deu a Antônio o conforto e a chance de que ele precisava. Mudança iluminada: do esquecimento das ruas para uma vida intensa.
Neste mesmo templo, o ex-mendigo se casou com Tereza, também moradora de rua. Tiveram uma filha, conseguiu trabalho e uma vaga no hotel social da prefeitura. A improvável família sabe exatamente que nome dar para o que lhes aconteceu. “Nós três aqui somos um milagre”, afirmou Antônio.
São 38 anos vivendo na rua. Bastaram três conhecendo a compaixão dos metodistas para que Antônio e Tereza recuperassem a dignidade.
“Eu cheguei a dormir na 23 de maio, naqueles buracos que tem na 23. Hoje, eu moro na Brigadeiro Luis Antonio, Bela Vista”.
Nesta quinta, a gente vai mostrar o trabalho dos batistas e dos adventistas com crianças do Rio de Janeiro.
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